sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Investimentos públicos não lucrativos e subsídios

por Ludwig von Mises (extraído de "Intervencionismo, Uma Análise Econômica", capítulo IV)



Os empresários só levam adiante projetos que sejam lucrativos.  Isso significa que eles usam os meios de produção, que são escassos, de maneira a satisfazer primeiro as necessidades mais urgentes, e que nenhum capital ou mão de obra será utilizada para satisfazer necessidades menos urgentes enquanto houver uma necessidade mais urgente ainda não atendida.

Quando o governo intervém tornando possível um projeto que, em vez de lucros, gera prejuízos, todos falam das necessidades que serão assim atendidas; ninguém fala das necessidades que deixam de ser atendidas porque o governo desviou para outros fins os recursos disponíveis.  Só se considera o benefício proporcionado pela ação do governo, e não o seu custo.

Não cabe ao economista dizer o que o povo deve preferir e nem como deve usar os seus recursos.  Mas é de seu dever chamar a atenção de todos para os custos das decisões do governo.  Isso o diferencia do charlatão, que só fala dos benefícios da intervenção sem jamais se referir aos malefícios que ela acarreta.

Consideremos, por exemplo, um caso que podemos hoje analisar objetivamente porque é um assunto passado, embora não um passado muito distante.  Suponhamos que uma estrada de ferro, cuja construção e operação não seriam economicamente viáveis, isto é, não seriam lucrativas, seja viabilizada pela concessão de um subsídio do governo.  Costuma-se dizer, em situações como essa, que a estrada de ferro não seria lucrativa no sentido usual do termo e que, portanto, não despertaria o interesse dos empresários e dos capitalistas.  Mas contribuiria para o desenvolvimento de toda uma região promovendo o tráfego, o comércio e a agricultura, dando assim uma importante contribuição para o progresso da economia.  Tudo isso precisaria ser levado em consideração ao se avaliar, com uma visão maior, a conveniência de se executar a estrada de ferro em vez de se ficar limitado a considerações de lucratividade.  Para o interesse privado, a construção da estrada de ferro pode parecer desaconselhável, mas do ponto de vista do interesse público sua construção seria benéfica.

Esse raciocínio está inteiramente errado.  É claro que não se pode negar que a construção da estrada de ferro beneficia os habitantes da região por ela servida.  Ou, melhor dizendo, beneficia os proprietários de terras da região e os que fizeram investimentos que não podem ser transferidos sem uma diminuição de seu valor.  Alega-se, geralmente, que a estrada irá desenvolver as forças produtivas da região atendida.  O economista tem que colocar a questão de forma diferente: o Estado usa o dinheiro dos contribuintes para subsidiar a construção, a manutenção e a operação da linha que, sem esse subsídio, não poderia ser construída e operada.  Esses subsídios desviam uma parte da produção de locais cujas condições naturais são mais favoráveis à produção para locais menos adequados a esse propósito.  Estará sendo cultivada uma terra que, devido a sua distância dos centros de consumo e devido a sua baixa fertilidade, não possibilitaria a existência de uma agricultura rentável, a não ser que fosse favorecida pelo subsídio dado ao sistema de transporte, para cujo custo não teria condições de contribuir proporcionalmente.  Sem dúvida, esses subsídios contribuem para o desenvolvimento econômico da região onde, não fora isso, a produção seria menor.  Mas o aumento de produção na região assim favorecida pelo subsídio governamental deve ser contrastado com o ônus imposto sobre a produção e o consumo nas regiões que terão que pagar por essa política do governo.  As terras mais pobres, menos férteis e mais distantes estão sendo subsidiadas com a arrecadação de impostos que ou estão onerando a produção de terras melhores ou estão sendo arcados diretamente pelos consumidores.  As empresas localizadas em regiões menos adequadas terão condições de aumentar a produção, enquanto as empresas mais bem localizadas terão que restringir a sua produção.  Há quem considere isso "justo" ou politicamente correto, mas não devemos nos iludir e acreditar que dessa forma a satisfação geral estará sendo aumentada; na realidade, está sendo diminuída.

O aumento de produção na região servida pela estrada de ferro subsidiada não deve ser considerado como "benéfico do ponto de vista da prosperidade nacional".  Esses benefícios significam apenas que um certo número de empresas estará operando em locais que, não fora o subsídio, seriam considerados inadequados.  Os privilégios concedidos pelo Estado a suas empresas, ainda que indiretamente através do subsídio à estrada de ferro, não são diferentes dos privilégios que o Estado concede diretamente a empresas menos eficientes.  No final das contas, dá no mesmo o Estado subsidiar ou conceder privilégios a um sapateiro, por exemplo, a fim de habilitá-lo a competir com a indústria de calçados, ou favorecer o proprietário de terras, cuja competitividade é menor em virtude de sua localização, utilizando recursos públicos para pagar parte do custo de transporte de seus produtos.

Pouco importa se o Estado efetua o investimento improdutivo diretamente ou se ele subsidia uma empresa privada para viabilizar a realização de um projeto antieconômico.  O efeito sobre a comunidade é o mesmo, em ambos os casos.  Tampouco importa o método usado para conceder o subsídio.  Não importa se o produtor menos eficiente é subsidiado para que possa produzir ou aumentar sua produção ou se o produtor mais eficiente é incentivado a não produzir ou reduzir sua produção.  Pouco importa se a doação é feita para produzir ou para não produzir, ou se o governo apenas compra as mercadorias e as retira do mercado.  Em ambos os casos os cidadãos pagam duas vezes - uma vez como contribuintes, que são os que indiretamente pagam os subsídios, e depois uma vez mais como consumidores, ao ter que pagar preços maiores pelos bens que desejam comprar ou por ter que reduzir seu consumo.

Altruísmo empresarial 

Quando os que se autodenominam "progressistas" usam a palavra lucro, o fazem enfurecidos e raivosos.  Para eles o ideal seria que não existisse o lucro.  O empresário deveria servir o povo altruisticamente, em vez de tentar obter lucros.  Deveria não ter lucro ou se contentar com uma pequena margem sobre os seus custos.  Nenhuma objeção é feita se ele tiver que suportar prejuízos.

Mas a motivação para o lucro da atividade empresarial é precisamente o que dá sentido e significado, orientação e direção à economia de mercado baseada na propriedade privada dos meios de produção.  Eliminar a motivação pelo lucro equivale a transformar a economia de mercado numa completa desordem.

Já examinamos o confisco dos lucros e as consequências de uma tal medida.  Examinemos agora a sugestão de limitar os lucros a uma determinada porcentagem dos custos.  Se assim fosse, quanto maior o custo, maior o ganho do empresário; o incentivo de se produzir o mais barato possível seria substituído pelo seu oposto.  Cada redução no custo de produção reduziria seu ganho; cada aumento no custo de produção aumentaria sua renda.  Não é preciso supor que o empresário tenha intenções sinistras; basta entender o que uma redução de custo lhe acarreta.  Na maior parte dos casos o empresário pode conseguir reduzir os seus custos de duas maneiras; comprando bem as matérias-primas e os produtos semiacabados, e adotando métodos de produção mais eficientes.  Ambos implicam uma boa dose de risco e uma boa dose de inteligência e de experiência.  Como em qualquer outra ação empresarial, saber se é hora de comprar ou de se abster de comprar é sempre uma especulação sobre um futuro incerto.

Um empresário que arque integralmente com os prejuízos, mas só possa ter uma parte dos lucros e que ganhe mais na medida em que aumentem os seus custos é completamente diferente do empresário a quem serão creditados ou debitados a totalidade de seus lucros ou perdas.  Sua postura diante dos riscos do mercado será completamente diferente: não terá o mesmo empenho em descobrir onde comprar por preços menores do que o teria um empresário atuando numa economia livre.  O mesmo se aplica aos aprimoramentos dos métodos de produção.  São iniciativas arriscadas; investimentos adicionais são necessários sem que se possa ter certeza, a priori, de que produzirão resultados.  Por que razão iria o empresário correr esse risco se, em caso de sucesso, seria punido com uma redução na sua receita?

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Ludwig von Mises foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico.  Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política.  Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico.  Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".