domingo, 16 de outubro de 2011

O erro fundamental da regulação de “serviços públicos”


por Gennady Stolyarov II (publicado originalmente em fevereiro de 2006)

Com o intuito de evitar “concorrência excessiva” entre serviços públicos em uma determinada área geográfica, os governos têm, frequentemente, outorgado monopólios legais específicos para empresas de fornecimento de água, eletricidade e gás natural – ou, de outra forma, decidem prover os serviços por meio de empresas puramente estatais.

Firmas competitivas foram legalmente excluídas dos mercados de “serviços públicos”, com resultados desastrosos. Blecautes ocasionais e interrupção no provimento de água são comuns no dia-a-dia de  muitos norte-americanos – enquanto em mercados livres, digamos, alimentos, nenhuma escassez digna de nota é verificada. Além disso, os preços para as “utilidades públicas” estão em alta, concomitante à degradação, ao invés de melhoria da qualidade dos serviços.

Esta tendência não é acidental. Pelo contrário, como argumentado pelo economista Friedrich A. Hayek (1899-1992), tal fenômeno é consequência inevitável da intromissão governamental nos mercados de serviços públicos. O governo restringe a concorrência nestes setores. A competição, por outro lado, é essencial para descobrir a melhor maneira de se prestar serviços de forma a maximizar o lucro e a eficiência. Sem a dinâmica de um mercado totalmente livre, fornecedores de serviços públicos não dispõe de mecanismos para saber se sua forma de provisão é vantajosa para eles e para seus consumidores. Como consequência, a qualidade de vida de todos é afetada.

Os reguladores das concessionárias de serviços públicos acreditam que os meios adequados de provisão já são conhecidos. Com base nessa suposição, cobram preços ao consumidor fundamentados em abordagens cost plus. O estado determina o preço somando o “custo” do serviço propriamente dito a uma “taxa normal de retorno”, aplicada aos bens de capital empregados pela prestadora.

Este ponto de vista, é claro, falaciosamente presume que, para um dado serviço, existem custos fixos que podem ser determinados com antecedência – bem como uma “taxa normal de retorno” – que não precisam estar sujeitos às flutuações do mercado. No entanto, como demonstrou Hayek, esta abordagem desconhece completamente a inestimável função desempenhada pelos preços como transmissores de conhecimento sobre o verdadeiro valor – valor que não existe em estado fixo, estático.

O mercado é um processo, não um estado definido

A visão econômica mainstream, a qual é contestada por Hayek, enxerga os mercados como estados estáticos em vez de processos dinâmicos. A Ciência Econômica predominante concentra-se maciçamente em análises de estados de equilíbrio – raramente verificados na economia real – sem se preocupar com a forma com que os mercados alcançam esse estágio.

Além disso, a abordagem mainstream frequentemente assume que todos os atores econômicos possuem informação perfeita sobre toda a economia e que sua escala individual de valores reflete a única escala de valores de todos os outros participantes na economia. Os reguladores dos serviços públicos regularmente cometem esse equívoco; acreditam que possuem a sua disposição informações sobre qual deveria ser o preço “ótimo” do serviço.

Hayek, no entanto, interpretava o mercado como sendo um processo, um sistema no qual necessariamente envolve um elemento empírico: o fato observado que todos os participantes do mercado detêm conhecimento imperfeito e incompleto. Em vez de analisar equilíbrios estáticos perfeitos, para Hayek a questão central da Economia é estudar como o mercado facilita a aquisição e a disseminação do conhecimento. De acordo com Hayek, não há uma escala de valor única na economia de mercado; não existe um objetivo único para o qual tende a economia, cujo alcance se dá num estado de equilíbrio perfeito.

Nenhum indivíduo apreende todos os fatos; diferentes agentes possuem diferentes habilidades e experiências. Existem discrepâncias nas informações. Aplicado ao mercado de serviços públicos, isso significa que os agentes excluídos pela intervenção governamental detém informações valiosas, as quais os reguladores não possuem. Eles, os excluídos, podem saber como obter eletricidade ou tratar água de forma mais econômica; podem ter conhecimento técnico que permita a construção de melhores redes elétricas ou sistemas de dutos. Podem até mesmo possuir conhecimento tácito ou inarticulável que colabore com o dia-a-dia da gestão do negócio – conhecimento difícil ou impossível de ser expresso em palavras e transmitido a outros.

Ao invés de apenas confiar em construções matemáticas formais de equilíbrio estático, o economista precisa examinar a realidade empírica e construir, a partir de suas observações, uma teoria capaz de explicar como os mercados coordenam discrepâncias de habilidades de informações, bem como os planos individuais dos agentes econômicos. Dada a diversidade que se apresenta, como o mercado ajuda as pessoas a atender as expectativas umas das outras? Como o mercado corrige expectativas falsas ou erradas da parte de um determinado agente econômico?

A falácia da “competição perfeita”

Economistas do mainstream frequentemente descrevem o funcionamento “ótimo” de um mercado utilizando uma equação simples: P=CM, onde o preço do produto é igual a seu custo marginal de produção. Essa fórmula, de acordo com os modelos neoclássicos, descreve o estado de “competição perfeita”. Reguladores de serviços públicos constantemente tentam combinar dados  obtidos através de modelos de “competição perfeita” e os preços dos serviços.

Tal abordagem ignora por completo a função da competição. De fato, ela foge da questão crucial que uma teoria de competição deveria responder: como um mercado competitivo tende a harmonizar preços e custos marginais, oferta e demanda? Além disso, todo o propósito e utilidade da competição consiste na capacidade de determinar quais são os custos e preços ótimos para um dado conjunto de bens.

Não há nenhuma maneira de saber, de antemão, como seriam custos e preços, e então esperar que a concorrência defina-os nos níveis previstos. Pelo contrário, é a competição que leva a descoberta dos preços e custos “ótimos”, sendo que estas informações não podem ser adquiridas antes da concorrência em si. Competição, por definição, não pode ser um estado final ideal. É um processo constante e contínuo para descobrir o modo ideal de produção em uma economia, obtendo-se respostas cada vez melhores para este desafio. Vários agentes econômicos podem ter diferentes informações sobre como melhorar a prestação de serviços públicos. Eles só podem tirar o máximo proveito desse conhecimento, no entanto, se estiver em funcionamento um sistema de preços de livre mercado.

O indispensável sistema de preços

Na visão de Hayek, a estrutura de preços do livre mercado é uma importante ferramenta para os problemas da imperfeição e “economização” do conhecimento. Os preços fornecem aos consumidores todas as informações que necessitam para ajustar adequadamente suas decisões econômicas – ainda que a maioria dos consumidores nunca venha a conhecer todos os detalhes dos distúrbios mercadológicos que tornaram necessários os ajustes.

Por exemplo, dutos de gás natural no Canadá podem, inesperadamente, explodir – sem que quase ninguém nos EUA venha a saber. A redução da oferta de gás natural implicará em preços maiores a serem pagos por fornecedores locais de gás. A maioria dos consumidores e provedores provavelmente nunca tomará conhecimento do incidente, no entanto os novos (e mais altos) preços do gás natural os informará acerca da necessidade de economizar o recurso. Os agentes agora comprarão menos gás em comparação com a situação anterior.

Além disso, aqueles que desejarem comprar mais gás na situação de preços mais altos, terão a quantidade de produto que realmente precisam. Eles expressam essa nova escala comparativa de valores pela disponibilidade de pagar um montante maior pelo gás em relação a outros participantes do mercado. Um único número – o preço do produto – permite aos agentes de um determinado mercado ajustar suas decisões de modo a se beneficiar delas. No livre mercado, ainda que os atores econômicos tivessem pleno conhecimento das causas originais que provocaram a alteração do preço, estes indivíduos não teriam tomado decisões melhores que aqueles guiados unicamente pela mudança do preço.

Ainda, é a competição que torna os preços indicadores acurados sobre a verdadeira oferta e demanda de um dado produto. “Competição” não pode ser um modelo que incorpora de antemão o perfeito conhecimento dos dados econômicos pelo fato de ser a própria competição o processo de descoberta dos dados. Os resultados e o fim “lógico” da competição não podem ser conhecidos antes que a concorrência se estabeleça. A teoria de Hayek, portanto, exclui a possibilidade de um monopólio governamental (ou regulado) ser capaz de estabelecer “preços competitivos” para seus serviços.

A coerção está fadada ao fracasso 

Dado que o governo é inerentemente um monopólio coercitivo, está imune a competição, tendo ainda a capacidade de barrar os potenciais competidores dos mercados de serviços públicos via ameaça de força. O governo (e agências reguladoras) não podem saber quais são os verdadeiros custos dos produtos ou serviços, uma vez que o processo competitivo para descobri-los não é permitido. E mais, qualquer valor que o estado designe como sendo o “preço” não passará de um número arbitrário.

Num mercado competitivo, homens de negócio – almejando o lucro – teriam continuamente descoberto melhores forma de prover os serviços públicos regulados. Teriam apresentado formas, até então desconhecidas, de cortar custos, aumentar a produtividade e eliminar desperdícios. O governo, ao restringir a competição, evita que tais descobertas venham à tona, fazendo com que os consumidores paguem mais pelos serviços.

Friedrich Hayek fornece uma eloquente argumentação para que o mercado realize essa coordenação; qualquer intervenção governamental na estrutura de preços e competição inevitavelmente vai distorcer ambos e impedir o processo de descoberta que o livre mercado permite. Hayek mostra que os maus serviços que acompanham os monopólios regulados (ou estatais) não são mera correlação; são causados, de fato, pela intromissão coercitiva no extraordinário sistema de preços, o qual os reguladores não apreciam ou não entendem.

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G. Stolyarov II já contribuiu com os sites Enter Stage Right, Le Quebecois Libre, Rebirth of Reason, Ludwig von Mises Institute e The Liberal Institute. Seu artigo “The Compatibility of Hoppe’s and Rothbard’s Views on the Action Axiom,” foi publicado no Quarterly Journal of Austrian Economics.

Tradução de Daniel Marchi

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