quinta-feira, 3 de janeiro de 2013
A atividade empresarial no processo de mercado
por Israel M. Kirzner (extraído do livro Competição e Atividade Empresarial)
Para a noção de processo de mercado (...) é essencial a aquisição de informações de mercado através da experiência de participação no mercado. O padrão sistemático de ajustes nos planos de mercado que compõe o processo de mercado decorre (...) da descoberta, pelos participantes do mercado, de que suas expectativas eram exageradamente otimistas ou indevidamente pessimistas. É possível demonstrar que nossa confiança na capacidade do mercado de aprender e utilizar o fluxo contínuo de informações de mercado para gerar o processo de mercado depende crucialmente da nossa crença na presença saudável do elemento empresarial.
Para isso, imaginemos um mercado onde todos os participantes atuais são de fato incapazes de aprender com sua experiência de mercado. Compradores em potencial que vêm voltando para casa de mãos vazias (porque não vêm oferecendo preços suficientemente altos) não aprenderam que é necessário oferecer lances mais altos que outros compradores; vendedores em potencial que voltam para casa com bens ou recursos não vendidos (porque vêm pedindo preços que são altos demais) não aprenderam que devem, se desejam vender, ficar satisfeitos com preços mais baixos. Compradores que pagaram preços altos não descobrem que poderiam ter obtido os mesmos bens a preços mais baixos; vendedores que venderam por preços baixos não descobrem que poderiam ter obtido preços mais altos. Nesse mundo imaginário de homens incapazes de aprender com sua experiência de mercado, introduzamos um grupo de forasteiros que não são nem vendedores em potencial, nem compradores em potencial, mas que são capazes de perceber oportunidades para lucros empresariais; quer dizer, eles são capazes de perceber onde um bem pode ser vendido a um preço mais alto do que aquele pelo qual foi comprado. Esse grupo de empresários iria, no nosso mundo imaginário, perceber imediatamente as oportunidades de lucro que passaram a existir por causa da ignorância inicial dos participantes originais do mercado, e que persistiram por causa da sua incapacidade de aprender com a experiência deles. Eles iriam comprar a preços baixos dos vendedores que não descobriram que alguns compradores estão pagando preços altos. E eles iriam depois vender esses bens a preços altos ao compradores que não descobriram que alguns vendedores andam vendendo por preços baixos.
É fácil perceber que, enquanto esse grupo de empresários está ativo no mercado, e enquanto eles estão vigilantes para as mudanças de preços que sua própria atividade provoca, o processo de mercado pode continuar de uma maneira inteiramente normal. Esses empresários comunicarão aos outros participantes do mercado as informações de mercado que estes outros participantes são, por si mesmos, incapazes de obter. A competição entre os diversos empresários os levará a oferecer, aos que vendem a preços baixos, preços mais altos do que os que esses vendedores pensavam ser possíveis; empresários em competição também venderão — a compradores que pagam preços altos — a preços mais baixos do que os que esses compradores pensavam ser possíveis. Gradualmente, a competição, entre os empresários, como compradores e de novo como vendedores, conseguirá comunicar aos participantes do mercado uma estimativa correta da avidez em comprar ou vender dos outros participantes do mercado. Os preços caminharão exatamente da mesma maneira como caminhariam num mundo em que compradores e vendedores fossem capazes de aprender com sua experiência do mercado.
Fica então claro que não é necessário, ao construir o modelo analítico de um mercado em processo, postular uma compartimentação de papéis assim tão rígida. Em vez de um grupo de participantes do mercado que não aprendem com sua experiência, e um outro grupo (empresarial) que aprende, podemos trabalhar com participantes do mercado que estão alerta para as mudanças nas possibilidades de comprar e vender. O processo ainda continuará a ser essencialmente empresarial, mas em vez de trabalhar com um grupo de empresários "puros", poderíamos simplesmente reconhecer a existência de um elemento empresarial nas atividades de cada participante do mercado.
O resultado final é sempre o mesmo: o processo competitivo de mercado é essencialmente empresarial. O padrão de decisões em qualquer período dado difere do padrão no período anterior à medida que os participantes do mercado se tornam conscientes de novas oportunidades. À medida que eles exploram essas oportunidades, seus concorrentes empurram os preços em direções que gradualmente estreitam as oportunidades para obtenção de mais lucros. O elemento empresarial no comportamento econômico dos participantes do mercado consiste, como veremos mais tarde em detalhe, no seu estado de alerta, para mudanças anteriormente não notadas nas circunstâncias que podem tornar possível conseguir, em troca do que quer que seja que eles têm a oferecer, muito mais do que era até então possível.
Nossos insights quanto ao caráter competitivo do processo de mercado e seu caráter empresarial nos ensinam que as duas noções de competição e atividade empresarial são, ao menos no sentido usado aqui, analiticamente inseparáveis. (E independentemente de que termos se escolhe usar, essas duas noções devem ser reconhecidas, e devem ser vistas, como sendo, sempre, simplesmente as duas faces de uma mesma moeda.) O ponto chave é que a atividade empresarial pura só é exercida na ausência da posse inicial de cabedais. Outras funções no mercado envolvem invariavelmente uma busca das melhores oportunidades de troca para traduzir um ativo inicialmente possuído em alguma coisa mais avidamente desejada. O empresário "puro" observa a oportunidade de vender alguma coisa a um preço mais alto do que aquele a que ele a pode comprar. Decorre daí que qualquer um é um empresário potencial, já que o papel puramente empresarial não pressupõe nenhuma grande fortuna inicial sob a forma de cabedais valiosos. Portanto, embora a participação de proprietários de ativos no mercado seja sempre até certo ponto protegida (pelas qualidades peculiares dos ativos possuídos), a atividade de mercado do empresário não está nunca protegida de nenhuma forma. A oportunidade oferecida no mercado por um proprietário de ativo não pode ser livremente reproduzida ou superada por qualquer um; só pode ser reproduzida por outro proprietário de um ativo semelhante. Num mundo no qual não existem dois ativos exatamente iguais, nenhuma oportunidade oferecida por um proprietário de ativo pode ser reproduzida exatamente. Mas se um empresário percebe a possibilidade de obter lucro oferecendo para comprar a um preço atraente para os vendedores e oferecendo para vender a um preço atraente para os compradores, as oportunidades que ele assim oferece ao mercado podem, em princípio, ser oferecidas por qualquer um. A atividade do empresário é essencialmente competitiva. Logo, a competição é inerente à natureza do processo empresarial de mercado. Ou, para dizer de outra maneira, a atividade empresarial é inerente ao processo competitivo de mercado.
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Israel M. Kirzner é professor emérito de economia da New York University, um líder da geração de austríacos após Mises e Hayek, e um scholar adjunto do Mises Institute. Ele escreveu sua tese de doutoramento sob a orientação de Mises, mais tarde publicada como o livro The Economic Point of View (1960). Depois, abriu novos caminhos teóricos com seu livro Competição e Atividade Empresarial (1973). Kirzner também é o autor de mais sete livros e dúzias artigos, incluindo vários na Austrian Economics Newsletter e também na The Review of Austrian Economics.
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