domingo, 17 de julho de 2011

Mises não era um excêntrico em seu tempo

Nota introdutória: Hoje o debate em torno da ciência econômica - encastelado nas universidades ou não - é amplamente dominado pelo referencial metodológico positivista/empirista. Quando os adeptos do mainstream se deparam com argumentos calcados no apriorismo, não exitam em rotular o interlocutor de não-científico, excêntrico, esotérico e até mesmo de "irresponsável".

O texto abaixo, extraído de A ciência econômica e o método austríaco (H-H. Hoppe), mostra como Mises simplesmente expressou com outros termos a metodologia amplamente aceita em seu tempo. Ao sistematizar a lógica da ação humana (praxeologia) utilizando o apriorismo, o famoso economista austríaco apenas estava avançando numa trilha iniciada por outros pensadores inseridos numa longa tradição científico-filosófica.

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O que levou Mises a caracterizar a economia como uma ciência a priori? Se levarmos em conta o panorama atual pode parecer surpreendente vir à saber que Mises não considerava que seu conceito estivesse desalinhado com a visão predominante do começo do século XX. Mises não quis prescrever um comportamento aos economistas oposto àquele que eles já tinham. Ao contrário, ele considerou suas realizações como as de um filósofo da ciência econômica, ao sistematizar, e deixar explícito o que a ciência econômica realmente era, e como ela houvera sido implicitamente concebida por praticamente todos aqueles que se consideravam economistas.

E isto realmente era verdade. Ao dar uma explicação sistemática ao que até então era formalmente apenas implícito e não declarado, Mises introduziu algumas distinções conceituais e terminológicas que antes eram obscuras e desconhecidas, ao menos para o mundo anglófono. Porém, sua posição sobre o status da ciência econômica era em sua essência totalmente compatível com a visão, naquele tempo, ortodoxa sobre o assunto. Eles não empregavam o termo "a priori", mas os economistas da corrente dominante como Jean Baptiste Say, Nassau Senior, e John E. Cairnes, por exemplo, descreviam a ciência econômica de modo muito similar.

Say escreveu: "Um tratado sobre economia política estará ... confinado a enunciação de uns poucos princípios, que sequer precisam ser sustentados por provas ou ilustrações; pois eles não serão nada além da expressão daquilo que todo mundo conhecerá, organizado de uma forma conveniente para compreendê-los, assim como em seu escopo integral e suas relações". E "a economia política ...  sempre que os princípios que constituem suas bases forem as deduções rigorosas de fatos comuns inegáveis, estará baseada sobre uma fundação imóvel".

De acordo com Nassau Senior, "as premissas [econômicas] consistem de algumas proposições gerais, do resultado de observações, ou da consciência, e dificilmente requerem provas, ou mesmo uma declaração formal, as quais quase todo homem, tão logo ele as escute, reconhece como familiares a seus pensamentos, ou pelo menos como já presentes em seu conhecimento anterior; e suas deduções são praticamente gerais, e, se ele raciocinou direito, tão certas quanto suas premissas". E os economistas deveriam estar "cientes que a ciência depende mais da razão do que da observação, e que sua principal dificuldade não é a averiguação de seus fatos, e sim o uso de seus termos".

E John E. Cairnes observa que enquanto "a raça humana não possui nenhum conhecimento direto dos princípios físicos definitivos" ... "os economistas já começam com um conhecimento das causas definitivas" ... "Deste modo, no começo de sua pesquisa, pode ser considerado que o economista já conhece aqueles princípios definitivos que regem os fenômenos que constituem o assunto de seu estudo, a descoberta que é a tarefa mais árdua para o inquiridor das investigações físicas". "O ato de presumir [na economia] claramente seria algo sem propósito, visto que possuímos em nossa consciência e no testemunho de nossos sentidos... prova clara e direta daquilo que queremos saber. Conseqüentemente, em Economia Política as hipóteses nunca são usadas como uma ajuda para se chegar a descoberta de causas e leis definitivas."

As opiniões de Menger, Böhm-Bawerk e Wieser, predecessores de Mises, eram iguais: Eles também definiam a ciência econômica como uma disciplina em que as proposições - em contraste com as das ciências naturais - podem receber alguma justificação definitiva. No entanto, eles novamente fazem isto sem empregar a mesma terminologia usada por Mises.

E finalmente, a caracterização epistemológica da ciência econômica feita por Mises também foi considerada bastante ortodoxa - e com certeza nada exclusiva, como Blaug a teria considerado - após ter sido explicitamente formulada por Mises. O livro de Lionel Robbins The Nature and Significance of Economic Science, que foi lançado em 1932, nada mais é do que uma versão de certa forma suavizada da descrição que Mises faz da ciência econômica como praxeologia. Não obstante ele foi respeitado pelos economistas profissionais como a estrela guia metodológica por quase vinte anos.

Extraído de A ciência econômica e o método austríaco, pág. 11-13.

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