domingo, 23 de dezembro de 2012

Prêmio Nobel para a praxeologia

por Tullio Bertini (publicado originalmente no Instituto Mises Brasil)


Introdução

A praxeologia ou a ciência da ação humana é o método cientifico utilizado pelos economistas austríacos no estudo da economia. Ela é uma ferramenta poderosa que decorre de um sistema apriorístico de causa e efeito, baseado em categorias da ação humana[1], a qual nos permite analisar todos os fatos e teoremas econômicos. Nesse artigo, enfatizo a importância e a superioridade do método praxeológico como ferramenta de análise e derivação de teoremas econômicos. Descrevo os processos de derivação da lei da utilidade marginal decrescente, preferência temporal, juros e custo de oportunidade, com ênfase no caráter subjetivo dessas categorias da ação humana. Na última parte, levanto argumentos mostrando a inadequação do uso da psicologia experimental para a contribuição à teoria econômica e apresento a derivação praxeológica da Teoria do Prospecto[2], dos psicólogos laureados em economia Kehneman e Tversky (2002).

O que é praxeologia e porque utilizá-la?

A praxeologia foi sistematizada por Ludwig von Mises. Ele realizou um grande feito ao inferir que todas as categorias de ação sobre bens econômicos estão assentadas numa proposição verdadeira a priori sobre a realidade, denominada por ele de "o axioma da ação". Este axioma baseia-se na proposição auto evidente de que os humanos agem de forma proposital, para sair de uma situação de menor conforto para maior conforto. Todo individuo que tentar negá-la por meio de qualquer ação entrará em contradição, acabando por confirmá-la. Por exemplo, ao tentar negar "o axioma da ação", um indivíduo necessariamente estará se utilizando de argumentos (ação meio) para atingir um objetivo ou um fim desejado, qual seja: refutar o axioma da ação. Porém, ao tentar refutá-lo entrará em contradição, pois estará empreendendo uma ação humana proposital para sair de uma situação de desconforto.

Hoppe[3] vai mais longe ao retratar a importância e as consequências do feito de Mises para a epistemologia:
"(...) Com seu reconhecimento de que a ação é o elo entre a mente e a realidade exterior, ele encontrou a solução do problema kantiano de como é possível a existência de proposições sintéticas a priori verdadeiras. E ele ofereceu alguns insights extremamente valiosos relativos às fundamentações definitivas de outras proposições epistemológicas centrais, como identificar a lei da contradição como o pilar essencial da lógica. E deste modo ele abriu caminho para investigações filosóficas futuras que, pelo que me consta, permanece praticamente inexplorado."
De acordo Selgin[4], com a priori, Mises não quis defender a possibilidade de proposições verdadeiras independentemente de qualquer tipo de "experiência" — ainda que independam de qualquer experiência sensorial, do tipo daquelas enfatizadas por empiristas e positivistas — mas, sim, que as proposições desse tipo são independentes de qualquer tempo ou lugar em particular. Assim, um teorema econômico deduzido praxeologicamente deve ser válido tanto para o Egito antigo quanto para a economia brasileira.

Já para Rothbard[5], as proposições praxeológicas estão assentadas na experiência interior e não simplesmente em experiência exterior, sendo evidenciadas de forma reflexiva mais do que física. É a consciência individual sobre a capacidade de agir e a consequente percepção humana sobre as categorias de ação que devem servir de base para a derivação de sistemas praxeológicos de causa e efeito, que por sua vez são capazes de fornecer insights para a dedução de todos os teoremas econômicos.

O sistema praxeológico é como a lógica e a matemática. Da mesma forma que o teorema pitagórico é uma relação geométrica inerente a todos os triângulos retângulos, os teoremas econômicos já estão contidos nas categorias de ação de um sistema praxeológico. Dessa forma, qualquer experiência de cunho empirista é incapaz de refutar teorias econômicas derivadas praxeologicamente. Seria como sair por aí medindo os lados dos triângulos retângulos a fim de encontrar falhas no Teorema de Pitágoras. Algo impensável.

Somente é possível refutar uma teoria praxeológica por meio da descoberta de falhas na cadeia de raciocínio empregada pelo praxeologista. De acordo com Mises[6], evidências empíricas não "falseiam" a teoria, apenas servem para estabelecer o quão apropriada é uma aplicação teórico-praxeológica para a análise de um evento em particular.

Como bem destaca Mises, a derivação de teoremas econômicos a partir da história é um procedimento inadequado, podendo levar a erros graves. A história econômica só pode ser entendida com base numa teoria pré-concebida. Não há uma via de mão dupla quando se fala em derivação de teorias econômicas. O caminho flui da teoria concebida para a história. E nesse processo, o entendimento da praxeologia é fundamental:
A praxeologia não é uma ciência histórica, mas uma ciência teórica e sistemática. Seu escopo é a ação humana como tal. Independentemente de quaisquer circunstâncias ambientais, acidentais ou individuais que possam influir nas ações efetivamente realizadas. Sua percepção é meramente formal e geral, e não se refere ao conteúdo material nem às características particulares de cada ação. Seu objetivo é o conhecimento válido para todas as situações onde as condições correspondam exatamente àquelas indicadas nas suas hipóteses e inferências. Suas afirmativas e proposições não derivam da experiência. São como a lógica e a matemática. Não estão sujeitas a verificação com base na experiência e nos fatos. São tanto lógica como temporalmente anteriores a qualquer compreensão de fatos históricos. É um requisito necessário para qualquer percepção intelectual dos eventos históricos. Sem sua ajuda, nossa percepção do curso dos eventos históricos ficaria reduzida ao registro de mudanças caleidoscópicas ou de uma desordem caótica. [7]

Derivações Praxeológicas

O apriorismo, ou a cognição a partir de raciocínio meramente dedutivo, nos fornece insights antes inacessíveis sobre as categorias da ação humana[8], entretanto, a derivação de teoremas econômicos a partir da identificação de categorias implícitas no "axioma da ação" não é um trabalho fácil. As categorias e suas derivações não são evidentes. Para a análise de um caso em particular é necessário realizar um exercício reflexivo por meio de um encadeamento lógico-dedutivo entre categorias de ação (ex: causa e efeito).

Dentre as categorias derivadas a partir do "axioma da ação" podemos destacar[9]: meios, fins, custos, benefícios, compra e venda, lucro e prejuízo, valores, escolha, preferência, tempo, causalidade. Importante ressaltar que as categorias "tempo" e "causalidade" já se encontram implícitas em qualquer sistema praxeológico. Qualquer ação humana pressupõe a ideia de mais cedo ou mais tarde e de causa e efeito. É exatamente isso, de acordo com Mises[10], o que difere epistemologicamente o sistema praxeológico do sistema lógico:
"(...). A diferença entre um e outro reside no fato de a praxeologia ter a mudança como um de seus elementos; as noções de mais cedo ou mais tarde e de causa e efeito fazem parte do sistema. Anterioridade e consequência são conceitos essenciais no raciocínio praxeológico; o mesmo ocorre com a irreversibilidade dos eventos. No contexto do sistema praxeológico, qualquer referência à correspondência funcional é tão metafórica e ilusória quanto a referência à anterioridade e consequência no sistema lógico."
Como se vê, o tempo e a causalidade da ação exercem um papel preponderante na análise de um sistema praxeológico. A percepção humana sobre o tempo é inerente à ação humana. Toda ação objetiva um fim, uma situação mais confortável, um futuro desejado, que pode ou não ser atingido. A ação empreendida ocorre em algum momento no tempo e rapidamente vira passado. Ela se confunde com o tempo, com a percepção de presente. E leva-se algum tempo até a verificação do sucesso ou insucesso da ação empreendida. Mas o tempo passa, é finito.  Assim, dado a escassez do tempo, o agente homem busca economizá-lo por meio da priorização de ações numa escala de valores. Podemos dizer, a partir do axioma da ação, que toda ação realizada no momento é aquela a qual se atribui maior valor. Ela é considerada a mais urgente, simplesmente porque é a ação que está sendo executada no momento.

Nesse contexto, e considerando o fato de sermos incapazes de realizar tudo ao mesmo tempo, chegamos ao conceito de utilidade marginal decrescente. Esse teorema decorre do fato de que, ao escolhermos entre produtos homogêneos, a primeira unidade consumida ser considerada mais urgente (de maior utilidade) do que a segunda, e assim sucessivamente. Nota-se aqui a influência do tempo; a antecedência temporal da primeira unidade ou porção em relação à segunda. Podemos dizer que à ação do momento é sempre atribuída um maior valor (utilidade) em comparação às ações do mesmo tipo que estão por vir e, em decorrência disso, a utilidade marginal é o valor subjetivo atribuído a um bem pela necessidade menos urgente que ainda resta a ser satisfeita por esse bem.

Também em decorrência do axioma da ação humana, que como dito pressupõe a escassez do tempo, surge o conceito de preferência temporal. Este conceito está relacionado ao fato de preferirmos eliminar um dissabor futuro o quanto antes, por meio de ações que atribuímos um maior valor, e assim economizarmos tempo. É por isso que preferimos bens presentes a bens futuros, ou seja, para desistirmos de uma satisfação presente, geralmente exigimos uma recompensa, pois consideramos um sacrifício o fato de adiarmos essa satisfação. Daí a existência da taxa de juros, que é o preço resultante da relação entre o valor atribuído à satisfação imediata e à satisfação futura. Numa determinada economia, quanto mais os indivíduos valorizarem as satisfações imediatas em relação às futuras, maior tenderá a ser a recompensa para que desistam da satisfação presente em troca da satisfação futura.

E ao realizarmos o quanto antes ações que atribuímos um maior valor, estamos automaticamente desistindo o quanto antes daquelas ações que nos satisfazem menos. Assim, pela impossibilidade de exercermos todas as ações ao mesmo tempo, estamos constantemente abandonando o que nos satisfaz menos com o intuito de atingir o fim que julgamos ser mais valioso. E o valor subjetivo atribuído ao fim que estamos abandonando é o preço pago ou o custo incorrido para atingir o objetivo desejado. Eis aqui a derivação do conceito econômico de custo de oportunidade.

Já à diferença entre o valor do que se abandona (custo de oportunidade) e o valor do fim obtido, após um cenário de incerteza, chamamos de lucro ou prejuízo. Podemos também dizer que, por meio da ação humana, estamos constantemente incorrendo em custos subjetivos com o intuito de obter benefícios subjetivos[11].

Psicologia, Economia e a Derivação Praxeológica da "Teoria do Prospecto"

Como visto acima, em nenhum momento foi necessário recorrer a conceitos psicológicos ou fisiológicos no processo de derivação dos teoremas econômicos. Para isso, bastou partirmos do "axioma da ação" de Mises e das categorias de ação subjacentes a ele. Economia e psicologia são diferentes, tratam de objetos diferentes. Enquanto a psicologia está preocupada com o porquê dos fins objetivados, a economia está preocupada em compreender as relações de causa e efeito no âmbito da ação humana sobre bens econômicos, sem qualquer julgamento de valor sobre os fins almejados.

Os problemas praxeológicos não têm relação com os aspectos psicológicos, apesar de ser possível encontrar explicações psicológicas para o problema da preferência temporal, por exemplo. Mas de acordo com Mises[12]: "É preciso conceber e não apenas compreender. É preciso conceber que um homem que não prefira uma satisfação mais cedo à mesma satisfação mais tarde jamais chegará a consumir e a desfrutar." Nesse caso, a ação humana seria eternamente postergada. Algo fora da realidade.

A economia lida com a ação em si e não com as motivações psíquicas que as justificam. É nesse sentido que Mises[13] ressalta que:
"...a psicologia jamais poderá demonstrar a validade de um teorema praxeológico. Poderá demonstrar que algumas pessoas ou muitas se deixam influenciar por certos motivos, mas jamais poderá evidenciar que em cada ação humana há necessariamente certo elemento categorial que, sem qualquer exceção, está presente em todas as ações."
Um exemplo interessante sobre essa inadequação do uso da psicologia e do empirismo para a derivação de teoremas econômicos e, ao mesmo tempo, da superioridade da Praxeologia, pode ser demonstrada ao analisarmos o fenômeno descrito pela "teoria da perspectiva" ou "teoria do prospecto"[14], dos psicólogos laureados em economia Kehneman e Tversky. A Teoria do Prospecto está inserida no âmbito da contribuição da chamada economia comportamental (experimental) aplicada ao mercado financeiro, chamada de finanças comportamentais, que estuda o comportamento dos agentes no mercado financeiro quando da tomada de decisões.

Apesar de toda ação humana ser racional, o mérito da Teoria do Prospecto foi descobrir que os agentes não agiam racionalmente, segundo a teoria da utilidade esperada de Bernoulli e Von Neumann?Morgenstern[15]. Ou seja, a teoria mostrou que os agentes se comportavam de maneira diferente quando estavam em situações de ganho e em situações de perda. A teoria da utilidade esperada não incorpora o fato de que, por exemplo, a desutilidade de perder 200 reais pode ser maior do que a utilidade de ganhar a mesma quantia. E foi essa incapacidade da Teoria adotada pelo mainstream que os laureados identificaram: que os agentes apresentam uma aversão ao risco quando estão ganhando e uma propensão ao risco quando estão perdendo.

Para sustentar a Teoria do Prospecto, lançaram mão de "três características cognitivas"[16]: ponto de referência neutro (água na tigela), sensibilidade decrescente a incremento de luz (lei da psicofísica) e aversão à perda (histórico evolucionário dos organismos). Tudo isso para traduzir uma tendência que esse fenômeno exerce sobre os investidores no momento da tomada de decisão no mercado de ações; uma venda muito rápida de ações com desempenho positivo (vencedoras) e a manutenção por muito tempo de ações com desempenho negativo (perdedoras).

Ao analisar a teoria acima, cabe perguntarmos: como poderemos entendê-la por meio da praxeologia?  Afinal, se a Teoria do Prospecto, empiricamente "testada e aprovada", se encontrar no campo da ação humana, a praxeologia deve ser capaz de decifrá-la sem grandes problemas. Ao enquadrarmos o fenômeno acima nas categorias de ação meio (comprar e vender ações) e fim (lucro ou prejuízo), considerando a passagem do tempo, podemos ter uma clara noção do fenômeno econômico envolvido.

Primeiramente, nos parece evidente que os agentes ao comprarem e venderem ações objetivam um lucro. Ou seja, podemos visualizar de forma clara que os agentes se utilizam de meios (no caso, negociar ativos por meio da "manutenção" e "realização" de suas posições durante um período de tempo) objetivando um fim; a obtenção de lucro num ambiente de incerteza genuína. O insight é entender, por meio do axioma da ação, que todo ser humano busca sair de uma situação de menor conforto — no caso a situação financeira de entrada no mercado — para entrar numa situação de maior conforto; no caso o lucro, ou, de outra forma, o valor de venda desejado.

Com esse encadeamento praxeológico em mente, podemos compreender porque há uma tendência para que os agentes, no terreno das perdas, "segurem" por mais tempo (vendam mais tarde) suas posições perdedoras e, no terreno dos ganhos, para que "realizem" ou vendam suas posições o quanto antes. Não obstante os agentes estarem agindo racionalmente — objetivando um lucro — a expectativa de realização do objetivo final (realização de lucros) faz com que eles se comportem de forma diferenciada no terreno das perdas e dos ganhos, com diferentes propensões ao risco. Quando no terreno das perdas, há uma maior tendência de manutenção das posições do que de realização (venda) delas, simplesmente pelo fato do objetivo final (o lucro ou os ganhos desejados) ainda não ter sido atingido. O investidor permanece em situação de prejuízo a espera do seu objetivo principal; o lucro. Já no campo dos ganhos, há uma maior tendência para a venda das posições o quanto antes, pelo fato de já estarem operando próximo ou ter atingido o nível desejado de lucro.

De fato, a Teoria do Prospecto trata de um fenômeno econômico que se verifica independentemente de tempo e lugar. Onde quer que tenhamos investidores comprando e vendendo ações com o objetivo de lucro, haverá uma tendência para que eles sejam propensos ao risco no campo das perdas e avessos ao risco no campo dos ganhos. Assim, de uma vez por todas — o que serve para todos os teoremas econômicos derivados praxeologicamente — teses e monografias que busquem testar empiricamente a Teoria do Prospecto, em determinado tempo e lugar, não fazem sentido lógico.

Conclusão

Neste artigo procurei mostrar a importância e a vantagem da utilização da praxeologia para a análise de teoremas econômicos. Observamos que a derivação praxeológica dos teoremas econômicos não é uma questão trivial, apesar de num primeiro momento nos parecer simples. Para compreendermos e derivarmos os teoremas econômicos é necessário um trabalho de reflexão sobre o evento econômico que se pretende analisar, de modo a enquadrá-lo num sistema praxeológico, ou seja, em um sistema de categorias de ação logicamente encadeadas (causa e efeito), derivado a partir do axioma da ação humana. Não precisamos lançar mão de argumentos fisiológicos ou psicológicos como níveis de saciedade e intensidade de resposta humana a estímulos físicos, tão aludidos em sala aula pelos acadêmicos experimentalistas e do mainstream. Será principalmente por meio do exercício constante da praxeologia que os economistas austríacos disseminarão o sólido conhecimento econômico em que estão assentados.

Notas

[1] Exemplos de categorias de ação: meios, fins, custos, benefícios, compra e venda, lucro e prejuízo, valores, escolha, preferência, tempo, causalidade.

[2]http://en.wikipedia.org/wiki/Prospect_theory; http://vocesa.abril.com.br/blog/opcoes-sem-misterio/2011/01/26/a-aversao-as-perdas-e-a-propensao-ao-risco/

[3] HOPPE, H.H.A Ciência Econômica e o Método Autríaco. São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010. 1ª Edição(pg. 19)

[4] SELGIN, G.A. Praxeology and Undertanding: An Analysis of the Controversy in Austrian Economics. Ludwig von Mises Institute, Auburn University, Auburn, Alabama, 1990. (Pag. 14).

[5] ROTHBARD, M. In defense of "Extreme Apriorism". Southern Economic journal XXIII (3) (January 1957), pp. 314-20.

[6] MISES,LvM. Epistemological Problems of Economics, p. 30.

[7] MISES, L. Ação Humana. São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010. 3ª Edição (pg. 59)

[8] MISES, L. Ação Humana. São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010. 3ª Edição (pg. 66)

[9] HOPPE, H.H. A Ciência Econômica e o Método Autríaco. São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010. 1ª Edição

[10] MISES, L. Ação Humana. São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010. 3ª Edição (pg. 134)

[11] MISES, L. Ação Humana. São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010. 3ª Edição (pg. 130 e 131)

[12] MISES, L. Ação Humana. São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010. 3ª Edição (pg. 563)

[13] MISES, L. Ação Humana. São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010. 3ª Edição (pg. 565)

[14] http://vocesa.abril.com.br/blog/opcoes-sem-misterio/2011/01/26/a-aversao-as-perdas-e-a-propensao-ao-risco/

[15] http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/1961/000362539.pdf?sequence=1

[16] KAHNEMAN,D. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.(pg.350/51)

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Tullio Bertini é economista e membro do Grupo de Estudo de Escola Austríaca do Distrito Federal (GEEA-DF).

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Amizade colorida


por Daniel Marchi (publicado originalmente no blog da Revista Vila Nova)

Uma das indústrias nacionais mais pujantes nos últimos tempos é a dos “pacotes”. O governo, claro, é o principal responsável por isso. Percebam que toda semana é anunciado um novo modelo desse produto. Pacotes de estímulo ao consumo, de fomento do turismo, de construção de imóveis, de aumento de tarifas de importação, de redução de encargos, de apoio aos produtores de própolis orgânica de Potirendaba, etc etc. Nunca antes… bom, vocês já sabem.

Na última quinta-feira nossos guias de Brasília apresentaram um pacote de desoneração da folha de pagamento para 25 setores (ler notícia aqui), enquanto na semana passada os consumidores brasileiros foram brindados com o aumento das tarifas de importação de 100 produtos (ler notícia aqui). Dentre eles a batata, atividade agrícola a qual muitos políticos e burocratas possuem incrível talento enrustido.

Sem muitas delongas, o fato é que o governo dos trabalhadores descobriu o óbvio. Construiu-se no Brasil, desde tempos imemoriais, um fabuloso sistema de intervencionismo econômico. Todos os setores são alvos dos mais variados tipos de regulações e devem decifrar os bizantinos códigos tributários, contratações e demissões, sempre à mercê de um sistema de leis e tribunais cuja mentalidade anti-capitalista é inegável.

E o mais importante, empresários são seres humanos, e estes não gostam muito de concorrência. No livre mercado, sem essa pletora de normas a cumprir e impostos a pagar, eles tentam minimizar a concorrência pela via da inovação e do bom atendimento. No intervencionismo, é mais fácil contratar meia dúzia de lobbistas e mandá-los à Capital participar de alguma “câmara setorial” ou coisa do gênero, a fim de elaborar o próximo pacote. Qualquer grupo político está incentivado a proceder dessa forma, mas nota-se que o partido oficial aprendeu isso como ninguém. Uma mão lava a outra e as duas se cumprimentam na próxima campanha.

Voltando ao tema inicial, todos esses conjuntos de medidas que o governo vem tomando decorre do fino aprendizado rapidamente descrito acima. Para dirigir a economia, colocar o empresariado sob as rédeas do interesse oficial e, por tabela, beneficiá-los, não é necessário nenhum procedimento extravagante. A receita é simples: bastam alguns procedimentos de cunho “administrativo”, devidamente dourados com os velho lero-lero desenvolvimentista e nacionalista. No plano econômico, os consumidores mal perceberão que as lojas estarão sempre com os mesmos produtos, caros e de qualidade inferior. No plano político, nada terá se alterado com as regras formas do tal estado democrático de direito.

Benito Mussolini, grande mestre do intervencionismo, foi muito feliz ao afirmar que “o fascismo deveria ser justamente chamado corporativismo, porque é a concentração do poder corporativo e governo”. É sob o signo das piores práticas econômicas, sociais e políticas que se desenvolve a amizade colorida entre grandes empresas e governo federal, relacionamento que se fortalecerá com o próximo pacote.

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Daniel Marchi é economista e membro-fundador do Grupo de Estudos da Escola Austríaca de Brasília. E-mail danielmarchi@gmail.com

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Economia e imaginação


por Daniel Marchi (publicado originalmente na 3a. edição da Revista Vila Nova)

É difícil existir outra área do conhecimento mais aberta que as ciências econômicas. Nenhuma surpresa. Várias vezes ao dia nos vemos engajados em algum negócio, seja tomando um cafezinho seja fechando grandes transações financeiras. E mais, somos bombardeados com notícias sobre economia o tempo todo. É um convite irresistível para debates, às vezes bem acalorados, envolvendo as teses e opiniões de cada um acerca desse instigante assunto. Afinal de contas, todo brasileiro é Ministro da Fazenda e técnico da seleção nacional de futebol.

Nas discussões um pouco mais sofisticadas, as pessoas frequentemente utilizam argumentos racionais (teoria) ilustrados por exemplos práticos. É pré-requisito indispensável em qualquer exercício racional que os interlocutores sejam capazes de construir relações abstratas, erguidas sobre os alicerces dos princípios lógicos, especialmente da lógica da ação humana quando o assunto é Economia. Em outras palavras, é preciso pensar, elucubrar. Nos parágrafos posteriores tentarei enfatizar o quão importante é o uso da imaginação nas análises econômicas.

Frédéric Bastiat, jornalista e economista francês do século XIX, brilhantemente apontou a importância daquilo que não é captado imediatamente pelos olhos. Em seu famoso ensaio O que se vê e o que não se vê, facilmente acessível na internet, Bastiat explora a chamada “falácia da vidraça quebrada”. Diante de uma vitrine quebrada por um enfant terrible, um grupo de adultos consola o dono da loja, argumentando que aquele incidente, à primeira vista negativo, seria convertido em benefícios para a comunidade. O proprietário compraria uma nova vidraça, beneficiando o vidraceiro, que por sua vez teria sua renda aumentada, podendo gastá-la com outros bens e serviços, provocando uma espécie de reação em cadeia positiva para todos. O garoto, aproveitando um termo muito em voga em nosso tempo, teria gerado um “estímulo” à economia local, segundo as testemunhas.

Eis que Bastiat desmonta a pegadinha. Sim, é verdade que o vidraceiro foi beneficiado com um novo pedido, e que esta renda pôde ser gasta com outros produtos, de outros indivíduos. Isso é o que se vê. Mas o lojista perdeu uma vidraça... Caso ela não fosse quebrada, o proprietário poderia desembolsar aquele valor em outras benfeitorias, por exemplo instalando mais prateleiras no estabelecimento. O mesmo processo de circulação de recursos seria desencadeado, com a diferença que a comunidade teria mais bens disponíveis. Isso é o que não se vê. O autor francês mostra, no final das contas, o quão importante são as abstrações do tipo “e se...”, sempre apoiadas pela lógica da ação, essa magnífica ferramenta da razão humana.

Vejamos outra aplicação da mesma técnica. Quando os mercados são entendidos como processos dinâmicos, impulsionados pelo incansável trabalho dos empresários, a mera capacidade de abstrair fenômenos é fundamental para compreender as forças importantíssimas numa economia livre. Por exemplo, é pertinente dizer que não é satisfatório enxergar a concorrência nos mercados apenas pelo número de empresas neles atuantes, ou seja, por aquilo que se vê. Existem setores com vários ofertantes e baixa concorrência; por outro lado, há casos com apenas uma firma em campo e que constantemente procura melhorar seus produtos e atender melhor seus clientes, comportamento típico de mercados com acirrada competição. Nesse sentido, uma abordagem que contemple a idéia de concorrência potencial tem maior capacidade descrever a realidade.

A possibilidade de ter seu quinhão contestado leva os empresários a agirem como se estivessem sob competição efetiva. Lucros altos e consumidores relativamente insatisfeitos funcionam como sinalizadores para que empreendedores e investidores direcionem recursos para o setor em questão. Um caso emblemático é o famoso site de pesquisas Google. Apesar de concentrar mais de 90% das pesquisas feitas na rede, a empresa continuamente procura melhorar seus produtos e serviços. Benevolência? Não, concorrência potencial. Como a internet é um dos últimos rincões de plena liberdade de investimento, quem faz dela seu ganha-pão sabe que deve estar um passo à frente de seus concorrentes, ainda que efetivamente eles possam não existir.

Os resultados esperados da competição (preços declinantes, incremento na qualidade etc) dependem, nesse sentido, mais da possibilidade de entrada de novos investidores nos mercados do que o número de empresas em si. A liberdade de realização de novos investimentos, por sua vez, relaciona-se com a ausência de barreiras institucionais e burocráticas. Num breve parêntese, é interessante notar como grandes empresas estabelecidas não veem com maus olhos a progressiva regulamentação que os governos mundo a fora têm promovido. A regulamentação dos mercados acaba por protegê-las, dificultando a entrada de novos concorrentes. Mais uma vez, é preciso considerar aquilo que não se vê.

Henry Hazlitt, em seu clássico Economia Numa Única Lição, de forma muito perspicaz postulou que “a arte da economia está em considerar não só os efeitos imediatos de qualquer ato ou política, mas, também, os mais remotos; está em descobrir as consequências dessa política, não somente para um único grupo, mas para todos eles.” No atual cenário de crescente intervencionismo e de noticiário econômico muitas vezes confuso, os ensinamentos de Bastiat e Hazllitt são cada vez mais importantes. Na próxima conversa com seus amigos, fique atento com aquilo que os olhos não enxergam. Pense nisso e use sua imaginação.

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Daniel Marchi é economista e membro-fundador do Grupo de Estudos da Escola Austríaca de Brasília, DF. E-mail: danielmarchi@gmail.com

domingo, 1 de abril de 2012

Eventos em Brasília ~ Abril de 2012




"O papel do Banco Central em uma economia de livre mercado". Palestra de Helio Beltrão, presidente do Instituto Ludwig von Mises Brasil (IMB). 
Data: 13/04/2012, sexta-feira, 19:30
Local: IESB Asa Norte, auditório principal (SGAN Quadra 609, L2 Norte)
Entrada Franca

Página de divulgação no IMB: http://www.mises.org.br/Event.aspx?id=40


I Encontro de Escola Austríaca de Brasília
Data: 14/04/2012, sábado, das 9:00 às 18:00
Local: IESB Asa Norte (SGAN Quadra 609, L2 Norte)
Inscrições: geeabsb@gmail.com

Página de divulgação no IMB: http://www.mises.org.br/Event.aspx?id=43


Leitura prévia sugerida para o I Encontro EA BSB

Princípios básicos:

Boettke, P. A Escola Austríaca de Economia
http://escolaaustriacadf.blogspot.com.br/2011/06/escola-austriaca-de-economia-por-peter.html

Soto, J. H. A Escola Austríaca
Cap. 1 - http://www.mises.org.br/EbookChapter.aspx?id=216
Cap. 2 - http://www.mises.org.br/EbookChapter.aspx?id=217

Teoria do Processo de mercado:

Hayek, F.A. Economia e Conhecimento
http://www.libertarianismo.org/livros/eecfah.pdf

Barbieri, F. Filosofia da Ciência como Ferramenta Microeconômica
http://www.scielo.br/pdf/neco/v16n3/a06v16n3.pdf

Barbieri, F. O Ressurgimento da Escola Austríaca e a Teoria do Processo de Mercado
http://www.proppi.uff.br/revistaeconomica/sites/default/files/V.10_N.2_Fabio_Barbieri.pdf

Socialismo:

Caldwell, B. Hayek and Socialism
http://cob.jmu.edu/rossermv/Caldwell.pdf

Intervencionismo:

Mises, L. Uma Crítica ao Intervencionismo
Cap. 1 - http://www.mises.org.br/EbookChapter.aspx?id=354

Barbieri, F. A teoria austríaca do intervencionismo
http://mises.org.br/Article.aspx?id=1123


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Sinceros agradecimentos a:


                                  

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Individualismo e Coletivismo

por Friedrich A. Hayek (extraído de O Caminho da Servidão, capítulo 3)

Os socialistas acreditam em duas coisas absolutamente diversas e talvez até contraditórias, liberdade e organização. ~ Elie Halévy

Antes de prosseguir na análise de nosso tema principal, resta-nos um obstáculo a transpor: esclarecer um equívoco responsável em grande parte pelo modo como estamos sendo levados a situações não desejadas por ninguém. Esse equívoco, na realidade, diz respeito ao próprio conceito de socialismo. Tal conceito pode significar simplesmente os ideais de justiça social, maior igualdade e segurança que são os fins últimos do socialismo - e é muitas vezes usado nesse sentido.

Mas significa também o método específico pelo qual a maior parte dos socialistas espera alcançar esses fins, e que para muitas pessoas inteligentes são os únicos métodos pelos quais esses fins podem ser plena e rapidamente alcançados. Nesse sentido, socialismo equivale à abolição da iniciativa privada e da propriedade privada dos meios de produção, e à criação de um sistema de "economia planificada" no qual o empresário que trabalha visando ao lucro é substituído por um órgão central de planejamento.

Muitos se definem socialistas, embora considerem apenas a primeira acepção do termo, isto é, o socialismo representado pela justiça social, e acreditam profundamente nos fins últimos do socialismo sem contudo cogitar nem entender a maneira de alcançá-los - sabem apenas que devem ser alcançados a qualquer custo. Mas para quase todos os que não consideram o socialismo uma simples esperança e sim um objeto da política prática, os métodos característicos do socialismo moderno são tão essenciais quanto seus próprios fins. Por outro lado, muitos que, como os socialistas, prezam os fins últimos dessa doutrina, recusam-se a apoiá-la por estarem convencidos de que os métodos propostos pelos socialistas põem em perigo outros valores. O debate em torno do socialismo tornou-se dessa forma em grande parte um debate sobre meios e não sobre fins - embora a questão implique também saber se os diferentes fins do socialismo poderão ser alcançados simultaneamente.

Isso já seria suficiente para criar confusão. E a confusão aumentou porque em geral não se admite que os que repudiam os meios apreciem os fins. E ainda não é tudo. A situação torna-se mais complexa porque o mesmo meio - a "planificação econômica", principal instrumento da reforma socialista - pode ser utilizado para vários outros fins. Se quisermos realizar uma distribuição da renda conforme as ideias correntes de justiça social, torna-se imperativo centralizar a direção da atividade econômica. Consequentemente, a "planificação" é desejada por todos os que exigem que a "produção para o consumo" substitua a produção orientada para o lucro. Mas essa planificação não será menos indispensável se a distribuição da renda for efetuada de modo oposto ao que reputamos justo. Se pretendêssemos, por exemplo, que uma elite racial, os nórdicos, os membros de um partido ou uma aristocracia fossem beneficiados por uma maior parcela de bens e amenidades, os métodos que seríamos obrigados a empregar seriam os mesmos que empregaríamos para assegurar uma distribuição igualitária.

Talvez possa parecer injusto empregar o termo "socialismo" para designar os métodos e não as suas finalidades, ou aplicar a um determinado método o termo que para muitos exprime um ideal último. Seria preferível talvez chamar de coletivismo os métodos que podem ser usados para uma grande variedade de fins, e considerar o socialismo uma espécie desse gênero. No entanto, ainda que para a maioria dos socialistas somente uma espécie de coletivismo represente o verdadeiro socialismo, não devemos esquecer que o socialismo é uma espécie de coletivismo e que, portanto, tudo o que se aplica ao coletivismo se aplica também ao socialismo. Quase todos os pontos de divergência entre socialistas e liberais referem-se aos métodos comuns a todas as formas de coletivismo e não aos fins específicos para os quais os socialistas desejam empregá-los; e todas as consequências de que trataremos neste livro decorrem dos métodos coletivistas, independentemente dos fins para os quais são usados. Também não devemos esquecer que o socialismo não é apenas a espécie mais importante de coletivismo ou de "planificação"; é também a doutrina que persuadiu inúmeras pessoas de tendências liberais a se submeterem mais uma vez ao rígido controle da vida econômica que haviam abolido, pois, segundo Adam Smith, tal controle faz com que os governos, "para se manterem, sejam obrigados a tornar-se opressores e tirânicos".

Os problemas causados pela ambiguidade na linguagem política comum não desaparecerão, mesmo que passemos a aplicar o termo "coletivismo" para indicar todos os tipos de "economia planificada", seja qual for a finalidade do planejamento. O significado do termo tornar-se-á mais preciso se deixarmos claro que por ele entendemos a espécie de planejamento necessário à realização de qualquer ideal distributivo. Mas como a ideia de planejamento econômico central seduz em grande parte pela própria indefinição de seu significado, é indispensável estabelecer-lhe o sentido preciso antes de discutirmos suas consequências.

O conceito de "planejamento" deve sua popularidade em grande parte ao fato de todos desejarmos, obviamente, tratar os problemas ordinários da forma mais racional e de para tanto precisarmos utilizar toda a capacidade de previsão possível. Neste sentido, se não for um completo fatalista, todo indivíduo será um planejador; todo ato político será (ou deveria ser) um ato de planejamento, de sorte que só haverá distinção entre o bom e o mau planejamento, entre um planejamento sábio e previdente e o míope e insensato. Um economista, que estuda a maneira como os homens de fato planejam suas atividades e como deveriam planejá-las, seria a última pessoa a opor-se ao planejamento em tal acepção genérica. Mas não é nesse sentido que nossos entusiastas de uma sociedade planejada empregam atualmente esse termo; tampouco é apenas nesse sentido que será necessário planejar se desejarmos a distribuição da renda ou da riqueza conforme determinado padrão. Segundo os modernos planejadores, e os objetivos que eles perseguem, não basta traçar uma estrutura permanente, a mais racional possível, dentro da qual cada pessoa conduza suas várias atividades de acordo com seus planos individuais. Este plano liberal, segundo eles, não é um plano e, de fato, não tem por objetivo satisfazer qualquer ideia relativa à parcela da renda que caberá a cada indivíduo. O que nossos planejadores exigem é um controle centralizado de toda a atividade econômica de acordo com um plano único, que estabeleça a maneira pela qual os recursos da sociedade sejam "conscientemente dirigidos" a fim de servir, de uma forma definida, a finalidades determinadas.

O debate entre os planejadores modernos e os seus adversários, por conseguinte, não visa a estabelecer se devemos ou não escolher racionalmente entre as várias formas possíveis de organização da sociedade; não diz respeito à necessidade de recorrermos à previsão e ao raciocínio sistemático no planejamento de nossos assuntos ordinários. Gira em torno da maneira de proceder nesse sentido. Busca determinar se os detentores do poder coercitivo devem limitar-se em geral a criar condições em que os próprios indivíduos disponham de um grau de conhecimento e iniciativa que lhes permita planejar com o maior êxito; ou se a utilização racional dos nossos recursos exige uma direção e organização central de todas as nossas atividades segundo algum "projeto" elaborado para este fim. Os socialistas de todos os partidos apropriaram-se do termo "planejamento" para designar este último tipo de organização, e a palavra passou a ser empregada usualmente nesse sentido. Mas embora com isso se pretenda sugerir que o planejamento central é a única maneira racional de conduzirmos os nossos negócios, nada fica provado, é claro. E esta permanece a questão sobre a qual discordam planejadores e liberais. É importante não confundir a oposição a essa espécie de planejamento com uma dogmática atitude de laissez-faire. A doutrina liberal é a favor do emprego mais efetivo das forças da concorrência como um meio de coordenar os esforços humanos, e não de deixar as coisas como estão. Baseia-se na convicção de que, onde exista a concorrência efetiva, ela sempre se revelará a melhor maneira de orientar os esforços individuais. Essa doutrina não nega, mas até enfatiza que, para a concorrência funcionar de forma benéfica, será necessária a criação de uma estrutura legal cuidadosamente elaborada, e que nem as normas legais existentes, nem as do passado, estão isentas de graves falhas. Tampouco deixa de reconhecer que, sendo impossível criar as condições necessárias para tornar efetiva a concorrência, seja preciso recorrer a outros métodos capazes de orientar a atividade econômica. Todavia, o liberalismo econômico é contrário à substituição da concorrência por métodos menos eficazes de coordenação dos esforços individuais. E considera a concorrência um método superior, não somente por constituir, na maioria das circunstâncias, o melhor método que se conhece, mas, sobretudo por ser o único método pelo qual nossas atividades podem ajustar-se umas às outras sem a intervenção coercitiva ou arbitrária da autoridade. Com efeito, uma das principais justificativas da concorrência é que ela dispensa a necessidade de um "controle social consciente" e oferece aos indivíduos a oportunidade de decidir se as perspectivas de determinada ocupação são suficientes para compensar as desvantagens e riscos que a acompanham.

(...)

A centralização absoluta da gestão da atividade econômica ainda atemoriza a maioria das pessoas, sobretudo pela ideia em si mesma, mas também devido à tremenda dificuldade que isso implica. Se, todavia, estamos nos aproximando rapidamente de tal situação, é porque muitos ainda acreditam que seja possível encontrar um meio-termo entre a concorrência "atomística" e o dirigismo central. Com efeito, à primeira vista nada parece mais plausível, ou tem maior probabilidade de atrair as simpatias dos homens sensatos, do que escolher como meta não a extrema descentralização da livre concorrência nem a centralização completa representada por um plano único, mas uma judiciosa combinação dos dois métodos. Não obstante, o simples senso comum não se revela um guia seguro neste campo. Embora a concorrência consiga suportar certo grau de controle governamental, ela não pode ser harmonizada em qualquer escala com o planejamento central sem que deixe de operar como guia eficaz da produção. Tampouco é o "planejamento" um remédio que, tomado em pequenas doses, possa produzir os efeitos esperados de sua plena aplicação. Quando incompletos, tanto a concorrência como o dirigismo central se tornam instrumentos fracos e ineficientes. Eles constituem princípios alternativos usados na solução do mesmo problema e, se combinados, nenhum dos dois funcionará efetivamente e o resultado será pior do que se tivéssemos aderido a qualquer dos dois sistemas. Ou, em outras palavras, planificação e concorrência só podem ser combinadas quando se planeja visando à concorrência, mas nunca contra ela.

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Friedrich A. Hayek (1899-1992) foi um membro fundador do Mises Institute. Ele dividiu seu Prêmio Nobel de Economia, em 1974, com seu rival ideológico Gunnar Myrdal "pelos seus trabalhos pioneiros sobre a teoria da moeda e das flutuações econômicas e por suas análises perspicazes sobre a interdependência dos fenômenos econômicos, sociais e institucionais".

sábado, 18 de fevereiro de 2012

A economia de mercado controlada

por Ludwig von Mises (extraído de "Uma Crítica ao Intervencionismo")

A doutrina dominante na economia de mercado controlada

Com poucas exceções, os comentaristas contemporâneos dos problemas econômicos estão defendendo a intervenção econômica. Essa unanimidade não significa, necessariamente, que eles aprovem as medidas intervencionistas do governo ou outras forças coercitivas.   Autores de livros, ensaios e artigos sobre economia e plataformas políticas exigem medidas intervencionistas antes que sejam tomadas, mas, uma vez impostas, ninguém as aprecia. Então, todos - e até mesmo as autoridades responsáveis por elas - qualificam-nas de insuficientes e insatisfatórias.   Geralmente, a partir daí, surge a exigência da substituição das intervenções insatisfatórias por outras medidas mais eficientes.   E, assim que as novas exigências são atendidas, a mesma cena se repete. O desejo universal do sistema intervencionista tem como contrapartida a rejeição de todas as medidas concretas da política intervencionista.

Às vezes, durante a discussão sobre a revogação parcial ou total de uma medida de controle, alguns se opõem à mudança, embora, via de regra não aprovem tal medida. Seu desejo é impedir medidas ainda piores. Por exemplo, raramente agradam aos pecuaristas as tarifas e normas de inspeção sanitária, adotadas a fim de restringir a importação de animais, carnes e gorduras do exterior. Mas, tão logo os consumidores exigem a revogação ou relaxamento dessas restrições, os fazendeiros levantam-se em sua defesa. Os maiores defensores da legislação trabalhista têm rotulado todas as medidas de controle adotadas até agora de insatisfatórias - no melhor dos casos, são aceitas como parte do que precisa ser feito. No entanto, se qualquer uma dessas medidas vier a ser revogada - por exemplo, o limite legal de oito horas para a jornada de trabalho - eles se levantam em sua defesa.

Qualquer pessoa compreenderá de imediato esse posicionamento diante de determinadas intervenções ao admitir que a intervenção seja sempre ilógica e impertinente, uma vez que nunca chega a atingir os objetivos que seus defensores e autores, perseguiam. É, contudo, digno de nota que se defenda obstinadamente o intervencionismo, apesar de suas deficiências e do fracasso de todas as tentativas de demonstrar a lógica teórica desse sistema. Para a maioria dos observadores, a ideia de voltar aos princípios liberais clássicos parece tão absurda, que raramente se preocupam com ela.

Os defensores do intervencionismo frequentemente apelam para a tese de que o liberalismo clássico pertence ao passado. Hoje, eles nos dizem, estamos vivendo numa era de "política econômica construtiva", ou seja, na era do intervencionismo. O curso da história não pode voltar atrás, e aquilo que passou não pode ser restaurado. Quem invoca o liberalismo clássico e, desta forma, alardeia que a solução é a "volta a Adam Smith" está pedindo o impossível.

Não é absolutamente verdadeiro que o liberalismo contemporâneo seja idêntico ao liberalismo britânico dos séculos XVIII e XIX. Certamente, o liberalismo moderno baseia-se nas grandes ideias desenvolvidas por Hume, Adam Smith, Ricardo, Bentham e Wilheim Humboldt. Liberalismo, porém, não é doutrina fechada e dogma rígido. É uma aplicação dos princípios da ciência à vida social do homem, a política. A economia e as ciências sociais deram largos passos desde que se introduziu a doutrina liberal. Assim, também o liberalismo teve de mudar, embora seu ideário básico tenha permanecido inalterado. Quem estudar o liberalismo moderno, logo descobrirá as diferenças entre os dois. Concluirá que o conhecimento do liberalismo não pode provir apenas de Adam Smith, e que o pedido de revogação das medidas intervencionistas não corresponde ao movimento chamado "volta a Adam Smith".

O liberalismo moderno difere do liberalismo dos séculos XVIII e XIX, no mínimo tanto quanto o intervencionismo moderno difere do mercantilismo dos séculos XVII e XVIII. Não faz sentido chamar de anacronismo o retorno ao livre comércio, se o retorno ao sistema de proteção e proibição não for também, considerado um anacronismo.

Escritores que atribuem a mudança na política econômica somente ao espírito da época certamente não admitem explicação científica para o intervencionismo. Dizem que o espírito capitalista foi substituído pelo espírito da economia obstruída. O capitalismo envelheceu e, consequentemente, deve render-se ao novo. E dizem que esse novo é a economia obstruída pela intervenção do governo ou por qualquer outro fator. Quem acreditar, seriamente, que estas afirmações podem refutar as conclusões da economia, com relação aos efeitos dos impostos de importação e controles de preços, certamente estará perdido.

Há outra doutrina popular baseada no conceito equivocado de "livre concorrência". A princípio, alguns autores criam um ideal de competição livre, em igualdade de condições - como os postulados das ciências naturais. Descobrem, depois, que a ordem da propriedade privada não corresponde absolutamente a esse ideal. Mas, por acreditarem que a realização deste postulado de "competição realmente livre e em igualdade de condições" seja a mais elevada meta da política econômica, eles sugerem várias reformas. Em nome do ideal, alguns exigem uma espécie de socialismo que chamam de "liberal" porque percebem, visivelmente, neste ideal a essência do liberalismo. Outros exigem várias outras medidas intervencionistas. Contudo, a economia não é um grande prêmio em que os participantes competem de acordo com as regras do jogo. Caso se tenha de determinar qual o cavalo que consegue correr certa distância em menos tempo, as condições devem ser iguais para todos os cavalos. Entretanto, será válido tratarmos a economia como um teste de eficiência para determinar qual dos concorrentes, em condições idênticas, pode produzir a preços mais baixos?

A competição como fenômeno social nada tem em comum com as competições esportivas. Transferir o postulado da "igualdade de condições" das regras do esporte ou da organização de experiências científicas e tecnológicas para a política econômica é um equívoco terminológico. Na sociedade, não apenas sob o sistema capitalista, mas sob qualquer sistema social imaginável, existem competições entre os indivíduos. Os sociólogos e economistas dos séculos XVIII e XIX demonstraram como funciona a competição no sistema social baseado na propriedade privada dos meios de produção. Esta foi a parte essencial da crítica que fizeram às medidas intervencionistas da política mercantilista e do estado voltado para o bem-estar. Esses cientistas demonstraram como as medidas intervencionistas eram ilógicas e inadequadas. Aprofundando-se ainda mais nas pesquisas, verificaram que a ordem econômica que melhor atende aos objetivos econômicos do homem é a que tem por base a propriedade privada. Certamente, os mercantilistas indagavam como o povo se arranjaria se o governo o abandonasse. Os liberais clássicos respondiam que a competição entre negociantes acabaria suprindo os mercados com os bens de consumo necessários aos consumidores. De um modo geral, para pedir o fim do intervencionismo, expressavam-se da seguinte forma: a liberdade de concorrência não deve sofrer limitações. Com o slogan da "livre concorrência" exigiam que a função social da propriedade privada não fosse obstruída pela intervenção do governo. Assim, era possível que, equivocadamente, se pensasse que a essência dos programas liberais não era a propriedade privada, mas a "livre concorrência". Os críticos sociais começaram a perseguir um fantasma nebuloso, a "concorrência genuinamente livre", que nada mais era que o produto de um estudo insuficiente do problema e uma preocupação exagerada com lemas [1].

A apologia do intervencionismo e a refutação da crítica ás intervenções, por parte da teoria econômica, são expressas de modo muito superficiais. Tomemos como exemplo a afirmação de Lampe de que essa crítica
só se justifica quando se demonstra, ao mesmo tempo, que a ordem econômica existente corresponde ao ideal da livre concorrência. Apenas sob total condição é que toda intervenção feita pelo governo corresponde a uma redução da produtividade econômica. Hoje em dia, porém, nenhum cientista social sério se arriscaria a mencionar tal harmonia econômica preestabelecida da forma como os economistas clássicos e seus discípulos otimistas liberais a concebem. Existem tendências no mecanismo de mercado que proporcionam um ajuste nas relações econômicas rompidas. Mas essas forças prevalecem apenas "a longo prazo", ao passo que o processo de reajuste é interrompido por atritos mais ou menos acentuados. Isso dá origem a situações em que a intervenção pelo "poder social" pode ser não só politicamente necessária, mas também economicamente conveniente ...   desde que haja, e que sejam seguidas, recomendações técnicas, disponíveis para o poder público, fundamentadas em análise estritamente científica [2]. 
É extraordinário que esta tese não tenha sido escrita durante as décadas de 1870 ou 1880, quando os Socialistas de Cátedra ofereciam às altas autoridades seus remédios infalíveis para o problema social e suas promessas para a aurora de dias gloriosos. Foi escrita em 1927. Lampe ainda não compreende que a crítica científica ao intervencionismo nada tem a ver com um "ideal de livre competição" e "harmonia preestabelecida" [3]. Os que analisam cientificamente o intervencionismo não chegam a afirmar que a economia não controlada é de algum modo ideal, boa ou isenta de atrito. Não defendem a tese de que toda intervenção corresponde a uma "redução da produtividade econômica". Com sua crítica apenas demonstram que as intervenções não podem atingir os objetivos traçados por seus autores e promotores, e que elas devem ter consequências indesejadas mesmo para seus autores e patrocinadores, por lhes contrariarem as intenções. É assim que os defensores do intervencionismo devem responder. Todavia, não apresentam nenhuma resposta.

Lampe apresenta um programa de "intervencionismo produtivo", que consiste em três pontos [4]. O primeiro é que a autoridade pública "deve, dentro do possível, insistir na redução lenta do nível salarial". Pelo menos, Lampe não nega que qualquer tentativa, por parte da "autoridade pública", no sentido de manter os níveis salariais acima daqueles que a ação do mercado teria estabelecido deve, certamente, gerar desemprego. No entanto, negligencia o fato de que sua própria proposta levaria - num grau menor e por um período de tempo limitado - à intervenção que ele próprio sabia ser inconveniente. Em relação a essas propostas vagas e incompletas, os defensores de controles totais levam a vantagem de parecerem lógicos.   Lampe critica-me por eu não me preocupar com a duração do desemprego sazonal transitório, que provoca atritos, nem com a, gravidade que este poderá atingir [5]. Ora, sem intervenção, o desemprego.não durará muito tempo nem afetará a muitos. Contudo, não há dúvida de que a proposta de Lampe, se posta em prática, causaria um desemprego prolongado, com sérias e graves consequências.   Isso não pode ser negado nem mesmo por Lampe, à luz de sua análise.

De qualquer forma, devemos ter em mente que uma crítica ao intervencionismo não deixa de lado o fato de que, quando algumas intervenções na produção são eliminadas, surgem atritos específicos. Se, por exemplo, todas as restrições à importação fossem suspensas hoje, grandes dificuldades, causadas por essa revogação, se fariam sentir durante algum tempo. Logo depois, porém, haveria uma elevação sem precedentes da produtividade da mão de obra. Esses atritos inevitáveis não podem ser amenizados por um prolongamento regular do tempo destinado à redução da proteção, nem são sempre agravados por tal prolongamento. Contudo, no caso de interferências governamentais nos preços, uma redução lenta e gradual, em vez da abolição imediata, apenas prolonga o tempo em que as consequências indesejáveis da intervenção continuam a ser sentidas.

Os dois outros pontos do "intervencionismo produtivo" de Lampe não requerem crítica especial. Aliás, um deles nem é intervencionista e o outro na verdade, visa à abolição da intervenção. No segundo ponto de seu programa, Lampe exige que a autoridade pública elimine os numerosos obstáculos institucionais que reprimem a mobilidade ocupacional e regional da mão de obra.

Mas isso significa a eliminação de todas as medidas governamentais e sindicalistas que impedem a mobilidade e corresponde, basicamente, à antiga exigência do laissez passer, exatamente o oposto do intervencionismo. E, no terceiro ponto, Lampe sugere que a autoridade política central faça "um exame antecipado e fidedigno da situação econômica geral", o que certamente não é intervenção. Um exame geral da situação econômica pode ser útil para todos, até mesmo para o governo, na medida em que, a partir dele, se pode chegar à conclusão de que não deve, de modo algum, haver interferência.

Quando comparamos o programa intervencionista de Lampe com outros de alguns anos atrás, reconhecemos como as reivindicações de sua escola se tornaram modestas. Esse é um progresso do qual os críticos do intervencionismo podem se orgulhar.


Notas

[1] Ver a crítica desses equívocos em Halm, Die Konkurrenz (A concorrência), Munique e Leipzig, 1929, principalmente p. 131 et seq.

[2] Lampe, Notstandarbeiten oder Lohnabbau?  (Serviços públicos ou reduções de salários?) Iena, 1927, p. 104 et seq.

[3] Quanto à "harmonia preestabelecida", ver, adiante, o ensaio "Antimarxismo", de minha autoria.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Matemática na economia: bom ou ruim?

por Bernardo Emerick (publicado originalmente no Caderno Preço do Sistema - Julho de 2008)

Como o termo “matemática” é muito amplo, é melhor restringirmos o seu significado para essa discussão. Evidentemente, ninguém acha que matemática básica é algo inútil para a economia. Se A tem dois reais e B tem três, ninguém condenará a conclusão de que A e B juntos têm cinco reais.

O que se questiona é o uso do “cálculo” – ou, mais precisamente, das ferramentas que a física clássica utilizava – para a economia. Ou seja, aqueles que atacamos o uso da matemática na economia estamos contra a aplicação do cálculo diferencial e infinitesimal, das equações diferenciais e de métodos geométricos na praxeologia.

A minha defesa dessa tese – de que essa parte da matemática é inútil à economia quando não positivamente prejudicial – será feita em diversos níveis de abstração.

Economia e física

É inegável que a aplicação dos métodos matemáticos usados pelos físicos na economia tem como inspiração o próprio triunfo da física como modelo de ciência. A aplicação de poucas leis gerais traduzíveis em equações muito simples e que davam imensa capacidade preditiva mostravam ao mundo as vantagens de uma ciência ancorada no cálculo diferencial e infinitesimal.

Não se deve esquecer que o título da maior obra de física de todos os tempos era Princípios Matemáticos de Filosofia Natural. A física antiga, aristotélica, não era ancorada em equações. As idéias eram colocadas em linguagem natural. A partir de Galileu, sobretudo com Newton, os avanços da física foram sem precedentes.

A física agora tinha uma visão unificada da natureza – até porque eletromagnetismo na época era um fenômeno mais ou menos irrelevante -, em que se explicava desde o movimento de pêndulos simples às leis de Kepler; da engenharia básica à estabilidade do sistema solar. Laplace chegou a afirmar que bastava que lhe dessem as condições iniciais do universo para que ele desvendasse tudo que ocorreria no universo. O poeta Alexander Pope, parodiando a Bíblia, disse algo assim: “E Deus disse: haja Newton. E houve luz”.

Havia, pois, uma confiança natural nos poderes da mecânica newtoniana. É claro que, inspirado nisso, os homens do saber começaram a tentar estender as idéias matemáticas de Newton a todos os outros campos do conhecimento humano. Mesmo quando não aplicavam diretamente a matemática, era a filosofia geral de Newton que dominava. David Hume, por exemplo, diz explicitamente no prefácio do Tratado da Natureza Humana que a sua filosofia é uma tentativa de aplicar os grandes princípios de Newton ao homem.

A essa suposição de que todo o conhecimento humano deva ser baseado nos métodos da mecânica clássica chamaremos de cientificismo.

A pergunta natural que devemos responder é: o cientificismo está certo?

Para responder essa questão, é necessário investigar, ainda que brevemente, o tipo de objeto de conhecimento da economia e compará-lo com o da física. Basicamente, a física se preocupa com a matéria e seu movimento. Donde se conclui que a fonte primária de informações do físico necessariamente é o mundo exterior. A matéria, enquanto tal, não pensa, não tem motivos. Então só observamos o seu comportamento a partir da observação, só após o seu movimento ter ocorrido.

Na praxeologia, a questão é fundamentalmente distinta. O que importa não é o movimento do corpo do agente, o seu gasto de energia nos processos metabólicos e na sua locomoção. O que importa para a ciência da ação humana é a estrutura formal por trás da própria noção do que é ação.

Ação é comportamento teleológico, é a busca de um fim empregando meios que o agente acredita que levarão ao objetivo desejado. A fonte do conhecimento do que é uma ação, portanto, não está na observação do mundo exterior, mas no próprio sujeito de conhecimento.

De um lado, causalidade determinística e observação exterior; do outro, ação motivada e observação interior.

Há ainda uma outra diferença. O mundo natural exterior é marcado por uma observável regularidade. Isso significa que a descrição dos fenômenos é invariável. Um resultado observado no laboratório X será o mesmo observado no laboratório Y. E esses resultados podem ser descritos imediatamente como dados matemáticos. Pois, sendo a preocupação da física o movimento – em sentido restrito – da matéria, os seus dados podem ser analisados via a atribuição de um sistema de referência que possibilite imediatamente uma métrica, i.e., uma noção de distância. Para diferenças de posições, podemos atribuir números.

Portanto, a atribuição quantitativa aos fenômenos físicos surge naturalmente. E a regularidade quantitativa dos fenômenos é o que permite a elaboração de equações para a descrição do mundo natural – mesmo na mecânica quântica, na qual importam mais distribuições de probabilidade.

Essa atribuição quantitativa não é formal, mas material. Por exemplo, se eu sei qual é o coeficiente de atrito cinético de um determinado plano e faço deslizar sobre ele um objeto com determinadas aceleração e velocidade iniciais, a equação que descreve o movimento desse objeto me dirá explicitamente o ponto em que o objeto ficará parado – se é que isso irá ocorrer.

Não há a mesma espécie de regularidades nas ações humanas. As pessoas possuem preferências e estas são modificadas sem nenhum padrão. Dependem da vontade de cada indivíduo. Ao contrário dos experimentos laboratoriais da física, indivíduos diferentes agem de forma diferente em experimentos em condições semelhantes. Um mesmo indivíduo pode agir de forma distinta em experimentos semelhantes. Como dizia Ludwig von Mises, “não existem constantes na ação humana”.

A regularidade nos fenômenos da ação humana é formal, não material – como na física. Trata-se meramente de regularidades qualitativas, não quantitativas. Os dados relevantes da praxeologia são juízos de valor. E a juízos de valor não é possível dar uma medida quantitativa objetiva. Logo, o uso de equações não é útil na descrição dos fenômenos da ação humana, exatamente por essa não ser a linguagem apropriada ao objeto de estudo.

Ciência

Toda ciência possui dois aspectos. Uma ciência, para ser ciência, tem que possuir uma qualidade explicativa, na qual se tenta demonstrar o nexo causal dos fenômenos. Por outro lado, a ciência deve ter um aspecto preditivo. Essa é a idéia básica do que seja uma ciência.

A sociedade americana de econometria adotava como lema a frase que dizia que “ciência é fazer previsões”. Nessa visão, portanto, o caráter explicativo da ciência é reduzido ao seu aspecto quantitativo. O que implica, por sua vez, uma visão muito restrita da ciência. Aqui, ciência não seria o conhecimento do seu objeto de estudo, mas o conhecimento que se revela por relações quantitativas.

Pelo que foi dito acima, esse ponto de vista implica a inexistência de uma ciência da ação humana, pois esta não pode ser encarada do mesmo modo que a física. O caráter explicativo da praxeologia não é quantitativo, mas qualitativo; é teleológico.

Então, se a econometria é uma pseudociência que só teria uma aspecto (falho) preditivo, poder-se-ia objetar que a praxeologia peca pelo oposto: ao possuir apenas um lado explicativo, não teria à sua disposição a predição. Donde a praxeologia não seria também uma ciência no sentido que usualmente é atribuído a este termo.

O erro de tal objeção é confundir predição com predição quantitativa. Predição pode ser tanto quantitativa quando qualitativa. A redução que se faz do caráter preditivo de uma ciência a aspectos quantitativos – donde a ferramenta imprescindível de toda ciência ser a matemática, que é a ciência que trata das quantidades por excelência, embora não se reduza a isto – advém precisamente do cientificismo, que, como foi argumentado acima, é uma filosofia falsa.

Portanto, a praxeologia é uma ciência cujo aspecto qualitativo reside na estrutura formal da ação humana – não matematizável – e cujo lado preditivo é qualitativo, não quantitativo.

O uso da matemática na economia

Como foi observado na seção 1, a física tornou-se modelo de ciência pelo seu aspecto preditivo. E o seu aspecto preditivo foi tomado com seu poder explicativo, na medida em que os resultados eram generalizados para uma quantidade enorme de casos. Assim, os próprios princípios da física tornaram-se equações.

Se na praxeologia começamos dizendo que os homens agem, na física começamos dizendo que tais e tais objetos satisfazem determinada equação. É mais do que evidente a diferença qualitativa das ciências, que reflete a diferença dos objetos das respectivas disciplinas e da forma como conhecemos esses objetos.

Porém, uma vez que tentemos matematizar a praxeologia e reduzi-la a uma espécie de mecânica da ação humana, que resultados efetivos poderíamos mencionar em defesa desse procedimento? Se a física como matemática aplicada é imediatamente justificada por seus resultados preditivos, podemos invocar os resultados da economia matemática como defesa da sua existência como ciência?

Antes de tudo, é necessário observar que nem mesmo os economistas levam a sério na prática a economia matemática, mesmo quando são economistas matemáticos. O sistema de equações fundamental do equilíbrio do consumidor diz que o indivíduo maximiza sua utilidade quando a razão entre a utilidade marginal à quantidade consumida de um bem e o seu preço é igual a essa mesma razão para todos os outros bens. Ou seja, se houver n bens, então haverá um sistema de n(n-1)/2 equações diferenciais parciais. Ninguém nunca viu um economista tentando resolver essas equações.

O que significa que os economistas, ao usar a matemática e lhe tentarem dar um aparato preditivo quantitativo, abandonam a fundamentação explicativa da teoria via teoria do comportamento para focar em grandes agregados, aos quais ele não consegue dar uma explicação razoável. Isto é, parte-se para a estatística e para as milhões de regressões.

Pois bem, a estatística funciona muito bem para o passado, mas o fato é que durante um século os economistas tentaram na prática aplicar as suas conclusões econométricas para controlar a economia e falharam.

Em suma, a economia matemática não se justifica do mesmo modo que a física matemática, na medida em que não possui poder preditivo.

A matemática, o espaço e a economia

Conforme já foi dito, o cálculo é muito apropriado à física, pois é possível estabelecer muito naturalmente duas das unidades fundamentais desta ciência: tempo e espaço. Nós sentimos o tempo passar continuamente, de modo que estabelecemos com fundamentação que o tempo corre continuamente. Por outro lado, os matemáticos fazem a suposição de que o conjunto dos reais pode ser representado como uma reta.

Assim, o físico tem bons motivos para considerar o movimento como função em espaços vetoriais reais, que é o ambiente mais apropriado para a formulação do cálculo diferencial e infinitesimal.

O físico, então, interpreta o movimento dos objetos como sendo variações das posições de pontos num espaço. Ou seja, ele iguala o espaço real com o espaço matemático. Portanto, uma vez fixada a unidade de medida do espaço, as descrições matemáticas correspondem – caso estejam corretas – aos fenômenos reais observados. Isso acontece porque, como já foi colocado antes, os próprios princípios da física são equações básicas nesse próprio espaço em que ele trabalha.

Na economia, as coisas não são assim. Por exemplo, se estamos tratando da teoria de produção, as unidades não são divisíveis. As quantidades devem ser sempre números naturais, de modo que não se tem um ambiente favorável ao cálculo diferencial e infinitesimal. As funções de produção não contínuas na topologia usual do espaço euclidiano n-dimensional, não sendo, pois, diferenciáveis, e tampouco são integráveis (à Lebesgue), uma vez que o conjunto dos pontos de descontinuidade não tem medida nula.

O caso da produção numa economia monetária seria o mais favorável possível à formulação matemática, mas, como acabamos de mostrar, os métodos do cálculo diferencial e infinitesimal são simplesmente inaplicáveis. A única forma de usá-los seria não com uma simplificação da realidade, mas por uma deliberada falsificação dela. Nenhuma ciência pode ser considerada como tal se busca a mentira por vontade própria.

O caso é ainda mais dramático no caso da teoria do consumidor – ou, se fôssemos generalizar, para a teoria da ação humana em geral –, já que é simplesmente estabelecer as relações algébricas usuais para utilidade. Não faz sentido adicionar, subtrair, multiplicar ou dividir utilidades. Não se pode sequer atribuir uma estrutura de espaço vetorial – ou, ainda mais geralmente, de módulo – ao conjunto das utilidades, muito menos tentar criar cálculo diferencial.

Matemática como ilustração

Complementando o argumento acima, não se pode criar uma álgebra com as operações usuais para utilidade. Qualquer um que se aventure a pegar um livro-texto de microeconomia, encontrará no começo, provavelmente no primeiro capítulo, alguma seção explicando que utilidade é ordinal, não cardinal; que não faz sentido fazer comparações interpessoais de utilidade. No entanto, provavelmente na seção seguinte, ele encontrará alguma curva de indiferença, que supõe que as pessoas não ordenam os bens numa escala de preferência.

Sem discutir esse procedimento ilegítimo que é o uso de curvas de indiferença, o autor do livro-texto basicamente atribuirá níveis de utilidade, aos quais fará corresponder algum número. Ou seja, primeiro ele diz que não é possível atribuir uma medida à utilidade, mas logo em seguida finge esquecer o que disse e atribui medida, mesmo sem lhe dar um significado realista. A justificativa é que é mera ilustração.

Antes de tudo, é preciso notar que ilustrar uma teoria não pode ser feita através de algo falso. Ilustrar uma teoria é dar-lhe um exemplo em que ela realmente seja aplicável, embora num contexto bastante simplificado. Por exemplo, quando um físico quer explicar o princípio da relatividade, ele cita o caso de uma pessoa no leito de uma ferrovia e outra dentro de um trem. Agora, não faria sentido dizer que o movimento de carro é uma ilustração da dualidade matéria/onda da luz.

Quando o economista utiliza o cálculo, ele não está fazendo uma ilustração, mas está jogando fora as proposições verdadeiras anteriores para adotar algo que ele sabe ser falso. Ele está substituindo uma teoria por outra, uma teoria melhor por uma pior.

E qual não será a surpresa do leitor atento ao perceber que, de repente, toda a teoria que é desenvolvida nos capítulos ulteriores será justamente a aplicação daquela “ilustração”! Por fim, não será raro encontrar até comparações interpessoais de utilidade. A chamada economia do bem-estar, por exemplo, tem como seu fundamento essa suposição, embora ela seja sempre tomada implicitamente.

A linguagem matemática como forma de evitar erros

Uma defesa dos métodos matemáticos na economia é que a linguagem matemática, por ser mais formal, acabaria facilitando a identificação de erros no raciocínio, de modo que seria uma forma de evitar erros lógicos. Esse argumento não deixa de ser irônico. Para evitar um erro acidental, justifica-se um erro essencial!

No entanto, sendo este argumento de ordem pragmática, não precisamos mostrar o seu descabimento filosófico. Na prática, a economia matemática tem sido fonte de acertos ou de erros? Bem, a maior parte das políticas econômicas adotadas no século XX tiveram como base de sustentação teorias econômicas fortemente calcadas em equações. Como essas políticas, em geral, foram desastrosas, podemos dar duas explicações diferentes – apesar de não serem mutuamente exclusivas: i) houve erros matemáticos ou ii) houve erros nos fundamentos da teoria.

Já sabemos que as teorias econômicas matemáticas são falsas por falsificarem deliberadamente a realidade. O melhor, então, que a economia matemática pode fazer é nos assegurar que provavelmente os erros da sua fundamentação serão carregados nas deduções das equações!

Equilíbrio de Nash

Por último, comentarei um pouquinho sobre teoria dos jogos, que, aparentemente, estaria livre de alguns excessos da economia matemática. A teoria dos jogos não é exatamente uma teoria que usa os métodos matemáticos aplicados à física. Então poderia ser um ramo da economia válido que exigiria um maior conhecimento de matemática.

O resultado mais importante da teoria dos jogos é o Teorema de Nash, que diz que em todo jogo não-cooperativo com um número finito de jogadores com estratégias mistas há pelo menos um equilíbrio de Nash.

Do ponto de vista matemático, eu não tenho nada a objetar. A demonstração feita por Nash na sua tese de doutorado me parece válida. Não encontrei nenhum erro e, tendo ela sido aprovada, devemos considerar aqui que realmente ela esteja correta do princípio ao fim.

Então qual seria a minha “implicância” com o equilíbrio de Nash? Na verdade, nenhuma. A minha implicância é com o uso que se faz desse resultado em teoria econômica. O problema do teorema de Nash é que ele não é aplicável à realidade.

A demonstração do Teorema feita por Nash utiliza noções de topologia. O que nos interessa aqui é uma observação. Suponha que haja n estratégias puras disponíveis a um jogador. Então o espaço de todas as estratégias para esse jogador é o conjunto S = {(p_1,p_2,...,p_n): p_1+p_2+...+p_n = 1 e p_i >=0, para todo i e p_i sendo número real}. Atribuindo a cada eixo de um espaço real euclidiano n-dimensional uma estratégia pura, então isso será um politopo n-dimensional. Por exemplo, se n=2, haverá um triângulo de vértices (0,0), (1,0) e (0,1) e as estratégias do jogador será qualquer ponto na reta que liga os vértices (1,0) e (0,1). A partir daí, define-se uma função pay-off para cada jogador P : S --> R, R é o conjunto dos reais.

Qual a importância disso? Além do problema óbvio de que a função pay-off terá que ser uma função de utilidade caso tenha alguma aplicação praxeológica – e isso não faz sentido –, existe uma suposição que é “ilegítima” de que as probabilidades podem ser números reais quaisquer entre 0 e 1. Por exemplo, se num jogo, eu escolho as minhas estratégias mistas apostando dinheiro em cada uma delas, então as probabilidades estão condicionadas pela divisibilidade do dinheiro.

Se eu tenho que apostar 1 real em três estratégias, eu posso fazer uma escolha de apostar 10 centavos em uma, 28 centavos em outra e 62 centavos na restante. É claro, o número de apostas possíveis é imenso – mas é finito. Então, nesse caso, o Teorema de Nash é inaplicável.

Não custa nada dizer: só se pode garantir a conclusão de um teorema de as hipóteses dele forem satisfeitas. Ora, em economia, dinheiro sempre tem divisibilidade finita. Logo, a hipótese de Nash nunca é satisfeita e, assim, o teorema nunca é aplicável na realidade.

O que estamos ressaltando aqui é que o uso da matemática na economia é totalmente inválido. Nenhum economista discute o que eu acabei de colocar. Procurem nos livros de economia se há alguma discussão sobre a validade do Teorema de Nash na economia. Simplesmente ninguém fala disso. A matemática é uma ciência rigorosa.

O que os economistas têm feito é agir como sanguessugas da matemática. Como esta é uma ciência prestigiada, o economista pega um teorema que possui uma demonstração rigorosa, no entanto aplicando-o a uma situação sobre a qual ele não diz respeito!

Alguém poderia objetar: “ora, mas nós podemos pensar nisso como um caso limite da realidade!” Mas isso é uma palavra de ordem, não um argumento... Porque, antes de tudo, a demonstração do teorema depende essencialmente da topologia que é utilizada – que se compromete com a forma específica dada ao conjunto S. E, além disso, seria preciso uma análise matemática para saber se realmente esse procedimento de ser “caso limite” realmente se aplica. É dizer, é preciso esquecer o teorema tal como ele e desenvolver uma teoria totalmente diferente e, só depois, ver como se dá essa relação.

A função da matemática para os economistas

A matemática tornou-se uma forma de intimidação retórica dos economistas. Podemos até dizer que essa é a sua grande função. Não é uma utilização meramente científica, é um uso da arrogância. É a fonte dos discursos “técnicos”, em que são ditas mil bobagens aplaudidas, reverenciadas e temidas. Quem se atrever a discutir com a matemática?

A matemática é a ciência mais segura que existe. Se temos uma “demonstração” matemática, somos os donos da verdade. Ninguém discute que 2+2=4. Por que discutiriam as medidas que os burocratas tecnicistas advogam?

Em suma, a matemática tornou-se, na mão dos economistas, uma arma para autolegitimização de um discurso pseudocientífico.